#! Os Documentos de Halloween e os fatos que a Indústria Tecnológica não quer que você saiba

@Softresistencia

:

No espírito de ser desnecessariamente do contra e pra condizer com o tema de resistência, cá estou eu no dia de natal, fazendo uma postagem com ‘halloween’ no nome. Porque ei, todos amamos Tim Burton.

Mentira, na verdade eu meio que lembrava a história dos Documentos de Halloween, só que na minha cabeça eles eram os ‘Documentos de Natal’, por isso achei adequado falar sobre ela aqui… E só fui descobrir que tinha lembrado errado quando fui pesquisar pra escrever o post. ¯\_(ツ)_/¯

Uma abóbora de natal.

Em todo caso e piadas a parte, essa é uma história séria. Ela envolve a indústria tecnológica, monopólios, dinheiro manipulando a política, e embora seja uma saga que ocorreu vinte anos atrás (entre 1998 e 2003 para ser exato), ela é mais atual do que você pode imaginar.

Então. Vamos voltar no tempo: O ano é 1998. Outras plataformas para computador caseiro como os computadores Commodore Amiga (populares na Europa) e o Macintosh Clássico (populares nos EUA) estavam tropeçando e caindo, com a companhia Commodore tendo ido à total falência, e o Macintosh preso em uma fase difícil com seus co-criadores Steve Jobs e Steve Wozniak tendo ambos saído da Apple.

Computadores usando a plataforma que um dia havia sido chamada de ‘IBM PC’ e agora se chamava apenas ‘PC’ são os absolutos vencedores de uma guerra de formatos que havia começado nos anos 80, e bem a tempo de todo mundo estar querendo ter seu próprio computador, afinal, a internet está começando a se tornar uma força a ser respeitada em seu alcance sociocultural, e dando ao mundo um gostinho do mundo computadorizado em que hoje vivemos. Toda uma geração de pessoas que nunca tinha usado um computador, no máximo um console de vídeo game, estava querendo entrar no “novo milênio digital”, e a maior parte desses computadores já vinha com o sistema operacional Windows, da Microsoft, pré instalado.

Essa era e ainda é a estratégia vencedora da Microsoft: Cortejar não o usuário final, mas a montadora de computador. Vender licenças de Windows a preço de atacado para o sistema ir pré-instalado na máquina. A maior parte dos usuários, sequer sabendo o que é um sistema operacional, nem pensaria que isso é um produto a ser escolhido.

Mas havia uma outra coisa, fervilhando por trás disso tudo. Por trás da bolha dotcom. Longe da vista da mídia. Em 1994 um grupo de programadores profissionais, entre eles Richard Stallman, criador do projeto GNU de ferramentas de software livre, e Linus Torvalds, criador de um clone caseiro do sistema UNIX que levava o nome próprio dele, juntaram seus esforços para criar um sistema operacional completo. O sistema GNU/Linux (e agora que eu chamei Linux de GNU/Linux, Stallman não virá na minha casa à meia noite para puxar meu pé).

E o projeto havia alcançado os ouvidos de vários outros programadores, rapidamente se espalhando pelos Bulletin Boards da internet nascente, e com seu modelo de desenvolvimento descentralizado, Linux estava amadurecendo rápido: Cada dia mais suportava mais configurações de Hardware, havia ganhado um sistema de interface gráfica tão competente quanto qualquer iteração do Windows ou MacOS, e suportava algumas coisas, como múltiplos usuários de sistema com arquivos protegidos, que o Windows não viria a suportar oficialmente por muitos anos ainda.

O primeiro “Documento de Halloween”, que recebeu este nome por ter sido vazado por um funcionário da Microsoft na última semana de Outubro de 98, era um relatório a fundo escrito por funcionários da empresa para ser lido pela alta gerência. E ele apontava: Linux, e não só Linux, mas toda a noção de Software Livre, apresentava uma ameaça existencial para o monopólio que a Microsoft havia conquistado sobre computadores.

Estes eram programas em sua maioria gratuitos, que podiam ser distribuídos sem limitações, e que apesar disso, mostravam ser robustos e competentes em suas tarefas. Em apenas quatro anos Linux tinha crescido de um projeto de paixão de um nerd finlandês para, nas palavras do engenheiro da Microsoft que escreveu o documento –

“[Linux é] Um sistema Unix dos melhores de sua categoria…

… Que tem uma credibilidade a longo prazo que excede muitos outros sistemas concorrentes. (…)

A maior parte dos aplicativos primários que pessoas precisam ao se instalarem no Linux já estão disponíveis de graça.

(…) E um usuário de Win321 avançado não precisaria de uma curva de aprendizado longa para se tornar produtivo

(…) Os consumidores AMAM.”

O documento deixa claro uma coisa: A Microsoft estava com medo. E tinha razão para estar: outras empresas como a Corel estavam começando a soltar suas próprias distribuições comerciais de Linux (vendendo-as sob a promessa de suporte técnico avançado e aplicativos exclusivos, já que o sistema em si era grátis) – E novamente, nas palavras do próprio documento: “Compaq e Dell2 só precisariam ameaçar adotar Linux para nos forçar a abaixar o preço que cobramos de montadoras.”

Com o documento tendo ido a público e circulado a imprensa anglófona, a Microsoft viu-se obrigada a publicar uma resposta oficial. O próximo “Documento de Halloween”, em 99 (que não saiu no Halloween mas shhh) era a resposta oficial da corporação. Eles confirmaram que o memorando vazado era legítimo, mas negaram estar ‘ameaçados’. Dizendo que era praxe da empresa fazer análises de todos os concorrentes no mercado.

No mesmo documento público eles também tiraram um momento para diminuir o sistema que haviam apresentado como ameaça em um memorando privado, dizendo que Linux “por não ter monopólio de propriedade intelectual jamais conseguiria investimentos significativos da indústria” e que “sem violar os direitos autorais de outros, jamais seria um inovador”. Essa resposta vinda do departamento de RP da Microsoft era calculada.

É uma estratégia que os anglófonos chamam de “FUD”, isso é, “Fear, Uncertainty, and Doubt”, uma estratégia de comunicação baseada em semear dúvidas sobre um concorrente para deixar clientes em potencial com medo de investir neste.

As táticas de FUD da Microsoft não haviam obtido sucesso: Enquanto o computador caseiro continuava sendo domínio do Windows, uma pesquisa de marketing da própria Microsoft, vazada em 2002, revelava que 70% dos gerentes de departamentos de TI empresariais e servidores de internet mostravam interesse em migrar para Linux. E hilariamente, que para 33% destes, “só o fato de não ser a Microsoft já é razão suficiente”.

Com suas técnicas de marketing falhando, a megacorporação americana iria ter que sujar as mãos.

Em 2002, uma empresa chamada SCO, que tinha como objetivo declarado “apresentar uma visão unificada e lucrativa para sistemas baseados em Unix” começou uma cruzada contra várias distribuições de Linux, declarando que o sistema gratuito usava código do Unix original que havia sido doado pela IBM, e que a IBM não tinha o direito de ter doado este código.

Parece algo não-relacionado? Não é. Em março de 2002, um e-mail vazado (que tornou-se conhecido como ‘Documento de Halloween número 8’) provou que a Microsoft havia feito uma “doação” de cerca de cem milhões de dólares, para “ajudar” a SCO em sua batalha jurídica, tal doação tendo sido feita indiretamente, através de uma outra empresa chamada BayStar.

Outras investigações sugeriam que antes da “doação” da Microsoft, a empresa SCO estava endividada e a caminho da falência. Em outras palavras: Microsoft havia “salvo” uma empresa à beira de quebrar para usá-la como um serviço terceirizado para tentar destruir um concorrente.

No fim das contas, a SCO foi à falência em 2007. A disputa jurídica se arrastou por décadas mesmo após a falência da empresa, tendo sido indeferida somente em 2017.

E de fato, embora Linux jamais tenha conquistado o computador caseiro, ele forma o sistema nervoso central da internet, provando que o temor da Microsoft era mais do que justificado. – Hoje em dia a ideia de que alguns milhões trocando de mãos poderiam esmagar o Linux é insana.

Mas Linux está longe de ser o único projeto tecnológico comunitário, e até hoje – Megacorporações têm mais medo destes projetos comunitários do que de qualquer concorrente empresarial.

Enquanto o Xitter vem capengando nesse último semestre, vários concorrentes, corporativos e comunitários têm aparecido. Mas apenas um não pode ser mencionado no Xitter – O Mastodon, sendo o maior concorrente comunitariamente construído. A conta oficial sobre a plataforma (@joinmastodon) foi banida em Junho do ano passado, e discutir a plataforma no site de Elon Musk pode causar suspensões até que mensagens relevantes sejam excluídas.

Enquanto isso falar sobre o BlueSky, o outro maior concorrente ao Xitter que apareceu este ano, não só é permitido, mas várias personalidades famosas na internet abertamente mencionam seus perfis na nova plataforma em suas bio’s no Xitter. BlueSky, claro, é um concorrente corporativo, criado por Jack Dorsey, o antigo CEO do Twitter.

  1. Nome interno da Microsoft para o sistema Windows da época. ↩︎
  2. Maiores empresas montadoras de PCs naquela época. Dell existe até hoje. Compaq foi comprada pela HP em meados da década de 2000. ↩︎

Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.