Dependendo de quem você é, do quão interessado em tecnologia você está, entre outros fatores, o nome ‘Linux’ estará em um nível diferente de familiaridade para você. Se você está lendo este artigo, estatisticamente você conhece pelo menos o nome, mas mesmo assim, talvez você só saiba o nome, sem saber do que se trata. Talvez você o conheça remotamente como ‘uma coisa estranha que nerds estranhos usam e são super insistentes sobre’. (embora e muito embora, segundo estatísticas atuais sobre usuários da internet no Brasil em geral, você tem uma chance elevadíssima de estar usando um parente do Linux neste exato momento, mas chegaremos a isso mais tarde)
Se você ouviu falar — Então você provavelmente ouviu muita informação desconexa. Isso é diretamente consequência do que Linux é, então muito deste artigo será dedicado a tentar dar sentido à confusão e a desmentir mitos. Como tal, ele será longo, e dependendo de seu nível de conhecimento, vai conter informação que você já sabe, e vai conter coisas que não lhe interessam, talvez você queira ir direto ao ponto.
Meme sobre Linux – Tradução “Usuários Linux ficam tipo ‘peraí, vou ligar meu computador’”
Para evitar desperdiçar seu tempo, colocamos o sumário abaixo, permitindo que você clique e leia apenas seções que sejam de seu interesse.
Com o preâmbulo fora do caminho, vamos falar sobre Linux.
-Sumário-
- -O que é um Sistema Operacional?-
- -Desmentindo mitos-
- -Distribuições, DEs, e outras cositas-
- -Teste o Linux… Sem compromissos-
- -Você disse que vai ter que aprender coisas… Como?-
-O que é um Sistema Operacional?-
Para conversar sobre Linux, primeiro precisamos falar sobre o que ele é. E a resposta para isso é simples: Linux é um sistema operacional. O que, para quem não é um nerd nem um estudioso do assunto, vai implorar pela questão do título: Afinal, o que é um Sistema Operacional?
–Um super programa–
O sistema operacional é um meta-programa. Um programa que existe a serviço de outros programas.
Ele age como um ‘gerente’ para o seu computador, realizando várias funções-chave, entre elas:
- Gerenciar a comunicação entre o computador e dispositivos ligados a ele. Libertando programadores de terem que implementar suporte aos dispositivos direto em seus aplicativos. Aplicativos apenas pedem para que o sistema operacional faça algo, e ele traduz essa instrução para algo que o dispositivo periférico entende através de um componente chamado ‘Driver’
- Organizar os dados armazenados pelo computador em uma hierarquia de pastas e arquivos, livrando o usuário de ter que memorizar os endereços de memória para informações específicas.
- Controlar permissões, impedindo que o usuário A do computador mexa nos arquivos do usuário B.
- Em computadores modernos com sistemas modernos, permitir operação de vários programas ao mesmo tempo ao ’emprestar’ os recursos computacionais para diferentes aplicativos conforme a necessidade, para que o vasto poder do computador moderno não seja desperdiçado.
Usualmente, além das funções de gerenciamento de recursos, dispositivos, e arquivos, o Sistema Operacional também contem uma interface para ‘conversar’ com o usuário, reduzindo a fricção de operar uma máquina complexa. Com facilidades para procurar e organizar arquivos e programas, e funções embutidas para conveniência.
Em outras palavras: O Sistema Operacional é a invenção invisível que torna computação moderna o que ela é. Você o usa. Você nem pensa nele, e isso significa que coisas estão dando certo. Como seu celular é um computador, ele também tem um sistema operacional. E o mesmo se aplica a máquinas dedicadas de vídeo game.
Captura de tela do Windows 3.11, primeira versão do Sistema Operacional da Microsoft para computadores caseiros a permitir operação multitarefas e obter sucesso mundial.
Imagem: WinWorldPC
Em smartphones, o sistema operacional será ou Android, desenvolvido pela Google (derivado do Linux) ou iOS, desenvolvido internamente pela Apple (derivado do MacOS/Darwin).
Se você está usando um computador, então o mais provável é que seu sistema operacional seja o Windows. A não ser que você tenha um computador Mac, já que estes usam o MacOS.
Em seu tempo, o Windows foi um grande inovador no campo dos sistemas operacionais. E a Microsoft, empresa dona do Windows, fez uso de sua dominância de mercado para vários tipos de ‘maldade’ (que são irrelevantes a este post em particular, mas que definitivamente serão discutidos em posts futuros)
Mas até neste blog linux-cêntrico, é obrigatório admitir que o Windows funciona. Apesar de tudo, ele faz o que promete
–Então, por que mudar?–
Se o Sistema Operacional é pra ser a ‘tecnologia invisível’ e ‘algo que você não pensa sobre’, e se o Windows é eficaz e funcional, e se eu mesmo admito que ele foi um grande inovador, por que deixar de usar o Windows?
Há uma dúzia de razões. Algumas práticas, outras filosóficas. Vamos falar delas brevemente? Prometo não transformar esse post em outro manifesto!
A primeira razão é ao mesmo tempo óbvia… E pouco útil: Sistemas Linux (em sua maioria) são gratuitos. Windows é pago. Eu digo ser uma razão pouco útil porque se você é brasileiro, há uma chance elevadíssima do seu Windows ser pirata (… E a Microsoft não liga. Quando um Windows pirata é detectado eles enfiam uma marca d’água no cantinho e deixam você continuar usando, porque o que dá lucro pra eles é vender pra empresas, não indivíduos.) — Então é improvável que você tenha pago por ele, e mesmo que você tenha pago, provavelmente não pagou muito. Uma chave original do Windows não é cara hoje em dia, e muitos computadores pré-empacotados (e notebooks por consequência) já vêm com o Windows ativado da fábrica.
Mais importantes que isso são preocupações de segurança: O Windows melhorou muito nesse aspecto, mas até o Windows mais atualizado e seguro do mundo está sendo constantemente cutucado por hackers e crackers atrás de pontos de invasão. E eles os encontram o tempo todo. Linux costuma ter menos problemas com isso…
… Mas seu maior medo nesta década não devia ser o que hackers externos fazem. Há uma razão pela qual uma chave original do Windows tornou-se mais barata: A Microsoft está coletando seus dados enquanto você usa o Windows.
Quando isso começou, na época que o Windows 10 foi lançado e especialistas notaram as constantes chamadas aos servidores da Microsoft mesmo com um computador em inatividade, a empresa declarou que era ‘apenas telemetria’, isso é, dados coletados para melhorar o sistema e corrigir erros e falhas de segurança. Se era tudo mentira ou se eles mudaram de ideia, não sei, o fato é que hoje em dia o Windows 11 coloca propagandas no Menu Iniciar e alimenta a IA do Bing com base nas atividades do usuário.
Como o sistema é uma caixa preta e é impossível ter certeza absoluta do que está acontecendo por baixo da tampa, é impossível saber quanto da sua vida digital é observada pela Microsoft, mas sabendo que eles coletam alguns dados, é difícil não pensar se eles estão coletando outros.
Isso não te assusta? Talvez você esteja pensando que não liga de uma empresa ficar vendo o que você faz. A Google e a Meta (Facebook) também fazem isso o tempo todo, afinal. Bem, é seu direito pensar assim.
Meme fazendo piada sobre o sistema de crédito social chinês.
Imagem: Reddit.
Apenas tenha em mente o seguinte: Já ouviu falar do Sistema de Crédito Social Chinês? Essa invenção, saída de algum livro distópico, é usada para monitorar as vidas digitais do povo, e recompensar cidadãos que são leais à ditadura chinesa.
O que a mídia dificilmente vai te contar é que o governo chinês não desenvolveu esse sistema sozinho. O monitoramento foi implementado pela AliBaba e Tencent (pense nelas como a ‘amazon’ e ‘google’ da China) com o propósito de mostrar propagandas, igualzinho à Google e etc. O governo chinês só fez foi comprar as informações que as corporações tecnológicas estavam vendendo, e usá-las para seus propósitos.
O que nos traz de volta ao Linux: O Linux é desenvolvido comunitáriamente, e seu código é aberto e livre para ser estudado e modificado por quem tiver a capacidade para tal. Se algum dia ‘maldades’ fossem adicionadas ao código do Linux, seria trivial para qualquer programador que se importasse pegar a versão sem maldade, e continuar trabalhando em cima dela.
Uma outra razão para considerar o Linux, fora as preocupações de segurança e privacidade, e fora a economia, é se você tem um computador antigo, uma máquina que está lenta e esquentando bastante. Linux tende a ser muito mais gentil com máquinas fracas, consequência de não ter tanta tralha desnecessária acoplada ao sistema e impossível de remover.
Mais uma razão? Bem. A Microsoft tem tentado transformar o Windows em um “walled garden” há alguns anos. Dificultando a instalação de aplicativos que não sejam através da loja oficial da Microsoft e agora exigindo um módulo de criptografia no processador para sequer poder instalar o sistema. — Algo que naturalmente vai tornar seu computador menos útil e flexível caso eles consigam.
-Desmentindo mitos-
Mascotes do Linux Xenia e Tux inseridos no título do antigo programa de TV “Mythbusters”.
Com Linux não tendo um departamento de relações públicas pra determinar qual a mensagem que chega ao público, há muitos mitos sobre o sistema. Eu creio, então, ser necessário dedicar um tempinho a separar as mentiras das meias-verdades das verdades.
“Linux é complicado! Você precisa ser um programador para usar!”
O meme no começo do vídeo é divertido… Mas isso é mentira. Ponto. A não ser que você seja um dos esquisitões que usa certas distribuições (falaremos destas em um momento) — Linux não é difícil. Ele é diferente. Eu não vou mentir pra você e dizer que você jamais vai ter que aprender algo novo, mas você não vai ter que “hackear o governo pra instalar um navegador de internet”. (E aliás tem muita coisa que é mais fácil no Linux, ponto.)
“Não tem games no Linux! Você precisa de Windows se você é Gamer!”
Meia-verdade. Era completamente verdade no passado, mas os tempos mudaram. Houve uma época que Linux realmente era um pesadelo para Gamers: Nenhum jogo tinha suporte oficial, e os que tinham era cheio de asteriscos.
Isso tem mudado desde 2018, graças à API Vulkan, que deu ao sistema acesso a tecnologias gráficas antes limitadas ao DirectX do Windows, e principalmente, ao Proton, projeto iniciado pela Valve Software, mas mantido e atualizado com carinho pela comunidade além da empresa. Proton age como uma camada de compatibilidade, permitindo que jogos programados para Windows rodem no sistema Linux.
Você imaginaria que ter de passar por uma camada de tradução deixaria jogos mais lentos, mas isso nem sempre se aplica. Na maior parte dos casos a performance em jogos é a mesma, seja no Windows ou no Proton. E em alguns casos, de acordo com estudos, o mesmo jogo no mesmo hardware roda melhor no Linux do que no Windows.
Eu digo que é uma meia-verdade ao invés de uma pura falsidade porque ainda há ressalvas:
- Os drivers para placas de vídeo da NVidia no Linux são infames por serem ‘atrasados’ em comparação com seus parentes de Windows, e portanto serem mais lentos e menos confiáveis. (tal problema não se apresenta com placas de vídeo da concorrente AMD, onde os drivers para Linux tendem a estar na frente dos drivers para Windows)
- Nem todos os jogos você pode ‘clicar e jogar’. Muitos você precisa aplicar configurações específicas. Graças a esforços comunitários você dificilmente precisa descobrir sozinho quais configurações ou como aplicá-las, mas ainda é mais complicado que clicar e jogar.
- Em notebooks gamer (ao invés de PCs de torre), o fato do computador ter dois chips de vídeo adiciona complexidade às configurações.
- Alguns games simplesmente não são uma opção. O extremamente popular Fortnite, por exemplo, não pode rodar no Linux nem pelo Proton, devido ao sistema anti-trapaças que ele usa. (outros jogos com outros sistemas anti-trapaças não apresentam problemas)
Ainda assim, este que vos fala tem usado exclusivamente Linux para gaming fazem três anos (desde 2020), embora eu ainda me veja obrigado a ter uma instalação do Windows no computador para certas situações. O que nos leva a…
“Mas eu dependo do programa XYZW, e ele só tem no Windows”
Parcialmente Verdade. Antes de mais nada é preciso especificar qual programa é esse. Se ele realmente é exclusivo ao Windows (você ficaria surpreso quantos aplicativos comuns têm versões de Linux e você não sabia) E se há uma alternativa que você poderia usar (por exemplo, para quem é usuário do pacote Adobe, mas não usa as funções mais avançadas e profissionais destes, há alternativas para todos os programas relevantes que mais que resolvem o problema. Pra quem usa pacote Office, LibreOffice é uma substituição 1:1, etc.)
Em alguns casos, não tem opção mesmo. O que mais rola comigo, confessado evangelista de Linux que sou, é ter que entrar na minha instalação do Windows não porque preciso fazer algo e não há um programa para tal no Linux… Mas porque eu preciso de interoperabilidade. Quando estou fazendo algo sozinho, para mim como projeto pessoal, em geral eu uso programas livres como GIMP e Inkscape. Nunca me deixaram na mão. Só me peguei querendo usar uma função que só tinha no Photoshop 1(uma) vez em dez anos.
Mas para o trampo acabo usando Photoshop e Illustrator só no caso de alguém pedir o arquivo pra mexer, porque é mais provável a pessoa do outro lado da linha estar usando estes que as alternativas livres.
-Distribuições, DEs, e outras cositas-
Mais acima no artigo eu mencionei que fundamentalmente o Sistema Operacional serve para gerenciar a comunicação entre usuário, computador, periféricos, e programas. Em Sistemas Operacionais comerciais como o Windows, essa função básica vem combinada a uma interface de usuário e centenas de funções adicionais.
Sem nada adicionado, o Linux contém só a base do sistema e um interpretador de comandos básico.
Em sua forma mais pura, Linux não é assim. Ele é realmente só a parte de gerenciamento do computador (chamada de ‘Kernel’, literalmente ‘núcleo’) sem nada supérfluo por cima. Mas até para nerds de Linux, pegar só essa parte seria pouco prático.
No entanto, não existe só uma interface gráfica para Linux, existem dezenas. Não só isso, mas todos os outros aspectos do sistema, desde algo tão fundamental quanto o navegador de arquivos, passando por coisas como clientes de e-mail, editores de texto, e visualizadores de imagem, é um programa a parte a ser instalado — Novamente, até para nerds de Linux, configurar tudo isso individualmente não seria prático. É aí que entram as distribuições de Linux (ou Distros, termo que vou usar daqui pra frente).
Cada Distro é um pacote incluindo o sistema Linux (claro) e todas as coisas consideradas essenciais para você poder já começar a usar seu computador sem ter que ficar escolhendo coisas. Costuma incluir uma interface gráfica (aqui chamada de ‘DE’, para ‘Desktop Environment’), programas essenciais como um leitor de vídeos/musica, navegador de internet, editor de texto, etc. E um gerenciador de pacotes para facilitar a instalação de novos programas.
Cada Distro é feita por pessoas diferentes com prioridades diferentes. E se você enfiar seu focinho em comunidades Linux, vai encontrar material verdadeiramente infinito de gente brigando sobre qual Distro é a Distro “certa”.
Este que vos fala usa EndeavourOS, mas não a recomendaria para um novato: é uma distribuição avançada, feita pra quem tem experiência em Linux. Não tão complicada quanto sua irmã mais velha o Arch Linux, mas ainda dispensando de certas facilidades que usuários novatos apreciariam.
Você mesmo deve descobrir, pesquisar, e explorar o que é melhor para você.
[Atualizado, 2024-02-26] Este post originalmente continha uma lista de distros montado nas coxas. Mas graças à comunidade, agora eu posso oferecer um guia atualizado sobre quais distribuições são as melhores para novatos, feito com carinho por um usuário com notas de membros da comunidade.
-Teste o Linux… Sem compromissos-
Instalar um Sistema Operacional não é um procedimento simples. É fácil: Há poucos passos e poucas coisas que podem dar errado. Mas não é simples, porque requer fazer um backup dos seus arquivos e apagar seu disco rígido. Mas você não precisa instalar Linux agora.
Uma das coisas legais do Linux é que você pode experimentar a maior parte das distribuições sem precisar instalar ela no seu computador. Basta criar um pendrive bootável e iniciar sua máquina a partir dele — O ambiente onde você irá cair permite que você instale o Sistema, sim. Mas também permite que você o teste, instale programas no ambiente temporário, e em geral ‘brinque’ com o Linux até se sentir confiante. Ver se gosta de uma interface de usuário em particular sobre a outra, etc.
-Você disse que vai ter que aprender coisas… Como?-
Há, de fato, uma curva de aprendizado com Linux. Não é que é difícil… É que é diferente. Tem coisas que são feitas de modos diferentes e você tem que descobrir e aprender.
Talvez no futuro próximo eu escreva alguns tutoriais sobre como fazer coisas básicas e interessantes. Mas por hora, eu me sinto obrigado a deixar você com pelo menos uma direção de como aprender.
Seus primeiros melhores amigos são o Google e o Youtube. Só pesquisar “tutorial <qualquer coisa> linux” e você provavelmente vai conseguir instruções. Se elas falharem, procure por outro link. Se você é falante de inglês, a Wiki do Arch Linux, embora direcionada a usuários do sistema avançado, é riquíssima em informação sobre programas e funções de Linux em geral e pode ser muito útil até pra quem está em uma distribuição completamente diferente.
A outra alternativa é conversar com a comunidade. Linux é feito da comunidade, pela comunidade, para a comunidade. Aqui, eu lhe advirto, você vai encontrar gente cuzona. Invariavelmente. Digo isso como nerd e com nada senão carinho por toda a comunidade: Nerd é foda.
Mesmo assim, nada melhor que conversar com quem manja pra aprender direitinho. Pra quem fala inglês, o reddit é provavelmente a melhor alternativa. Para todos os outros, há dezenas de Webfóruns e Servidores do Discord para usuários de Linux. Decerto você encontrará um onde você pode conseguir mais informações.
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