Outro dia enquanto eu foçava pela internet eu trombei em um thread no Lemmy, falando sobre o Apple Vision Pro.
Tal como tantos outros threads na internet — O criador do tópico estava sendo dramático sobre a coisa toda e em geral apresentando uma visão apocalíptica e distópica, uma que faz pouquíssimo sentido se você não está no meio de um ataque de ansiedade (e ei, eu sei TUDO sobre inventar cenários apocalípticos que só fazem sentido dos fundos de um ataque de ansiedade!) e é claro que os comentários correram para zoar com a cara dele.
Mas isso ficou quicando na minha cabeça. (E o fato de eu estar completamente zonzo devido a uma mudança no meu regime de medicamentos não tem nada a ver com isso!)
Agora, pessoalmente, eu não dei muita atenção ao AVP (pra mim essa sigla remete mais a ‘Aliens vs Predador’ que qualquer outra coisa) não apenas porque você teria que me pagar para eu ter qualquer interesse em produtos da Apple, mas porque ele tem uma aparência tão. ESTÚPIDA.
Todo óculos de Realidade Virtual é feio: Eles são coisas enormes e desengonçadas e as pessoas que os usam, o fazem porque consideram a aparência estúpida um preço justo a ser pago em troca de poder experimentar a realidade virtual.
Mas o AVP não está se vendendo como um óculos de realidade virtual para “gamers” e “nerds”. Ele está querendo ser “trendy” e “fashion”, e as propagandas dele são todas focadas em ser uma ferramenta de “produtividade”.
Como resultado ele segue a cartilha de design “”elegante”” da Apple — E o resultado, com seu vidro translúcido e plástico tratado para ser brilhoso, a mim remete a um iMac dos anos 90 colado no rosto do ser humano que é besta o suficiente de gastar o preço de um carro no que, até agora, parece ser um monitor de escritório glorificado.
Mas bem, desde que seres humanos pararam de usar capas no final do século 19, ficou óbvio para mim que moda nunca irá fazer sentido, e a Apple, se nada mais, é muito boa em criar coisas feias que são tratadas como a novíssima moda por gente com mais dinheiro que bom senso. E apesar de eu adorar falar sobre esse tipo de coisa, há mais razões para esse post além de só “eu acho que o Apple Vision Pro é feio”.
Em específico, eu queria engajar com uma única frase dita pelo usuário do Lemmy que eu citei lá em cima – “it’s marketed (…) as the new iPhone, something you take everywhere”.
Isso é algo que eu quero falar sobre porque — Bem, eu queria discutir sobre o quão insidioso é o típico Smartphone, sobre o que significa ser um ‘iPhone’ em um contexto mais amplo, sobre como eu, também, não iria querer um futuro modelado na imagem do Apple Vision Pro… E como este futuro tem baixíssimas chances de acontecer.
-Insidioso? Como assim?-
Antes de começar a falar sobre a insidiosidade do smartphone eu sou obrigado, por lei, a responder aos pedantes que existem na minha imaginaçãoTM — Eu quero passar é longe de fazer desse post o choro de um baby boomer sobre como celulares são “dumau” e “essas malditas crianças nos seus malditos celulares”. — Mas há uma linha entre “essa invenção é ruim porque eu sou velho e me recuso a aceitá-la” e “essa invenção tem consequências sobre as quais nós devíamos pensar”.
Eu estou para fazer 30 anos, então eu me lembro de um tempo em que um “celular” era um dispositivo sem grandes ambições: Ele era um dispositivo de telecomunicações. Portátil. Fazia telefonemas e mensagens de texto. Talvez um jogo com uma cobrinha que comia pontos.
Já haviam, claro, câmeras digitais, e players de mídia portáteis, e aparelhos de video-game portáteis, e GPS. Mas todos esses eram aparelhos distintos, tinham a função que tinham e não faziam muito além desta função.
Quando smartphones (dos quais o iPhone definitivamente não foi o primeiro, mas foi quem popularizou) entraram em cena, eles só. Faziam sentido demais para não conquistarem o mundo: Eles eram uma consolidação das funções individuais de cada uma daquelas coisas que antes existiam como dispositivos separados. E talvez não fossem tão bons em fazer as funções quanto os dispositivos dedicados, mas eram bons o suficiente, e por mais que fossem caros, o preço de um smartphone acabava dando mais ou menos o preço somado de um celular mais um mp4 mais um GPS mais um (…)
Claro que todo mundo queria um. Eu, também, convidei o Smartphone para a minha vida.
E é aqui que vemos a coisa insidiosa. Todos trouxemos smartphones para nossas vidas, porque ele fazia total sentido, e era obviamente desejável. Mas quais as consequências?
A primeira é que todo smartphone é por excelência um dispositivo espião: Seu celular sabe a todo tempo sua localização (com precisão média de 3 metros), pode ouvir o que você está falando, e pode até abrir a câmera e ver o que está a sua volta.
Se isso não fosse suficiente: Smartphones são a realização do sonho das megacorporações tecnológicas. Um dispositivo fechado e restritivo, onde aplicativos só entram se passarem pela “loja de aplicativos oficial”, aprovados e vetados pelo fabricante (e embora dê para mudar isso, não funciona em todos os aparelhos, e de qualquer modo envolve basicamente quebrar o aparelho para reconstruí-lo de forma livre). Entraram em nossas vidas assim, e como o usuário médio não liga, ninguém nem percebeu.
Consequência disso é que agora, toda uma geração criada não em computadores, mas com smartphones, que apesar de serem literalmente computadores por baixo da tampa, são engessados com armazenamento de escopo definido e controle de autoridade do fabricante, agora mal conhece o conceito de ‘arquivos’ apesar de estar estudando computação. (nota mental: escrever artigo sobre impotência aprendida)
-O que significa ser ‘o novo iPhone’-
Eu acho que na seção anterior eu já deixei óbvio, mas ainda assim, vale a pena explicar:
Hoje em dia, um smartphone é um aparelho “obrigatório”. Em certo ponto, uma invenção chega a um certo nível de popularidade em que ela deixa de ser um produto e se torna uma categoria.
Depois desse nível de popularidade, há um segundo marco de popularidade, onde ter algum produto daquela categoria se torna mais ou menos obrigatório para participar da sociedade.
Essa era a preocupação do postador: Realidade aumentada e realidade virtual tornarem-se parte obrigatória da vida de todos.
Isso é — No mínimo improvável. O preço não é a questão: Smartphones também são caros, e eram mais caros antes. Eventualmente aparecem modelos mais baratos. Ser um negócio grande e feio e estúpido também não é: A tendência é coisas ficarem menores e mais esguias.
A verdadeira razão pela qual dificilmente veremos um futuro construído em cima de Realidade Virtual ou Realidade Aumentada é que enquanto o smartphone era uma invenção que só fazia absoluto sentido, combinando vários dispositivos já existentes em uma máquina só, enquanto isso o óculos de RV/RA é uma forma diferente de apresentar algo que já existe… E uma forma que nem todo ser humano pode usar. Pessoas com labirintite, com estrabismo, céus, pessoas que usam óculos têm dificuldade com tecnologias de realidade virtual.
No fim das contas, a razão pela qual coisas distópicas entram em nossas vidas — E a razão pela qual elas deixam de entrar — Tende a ser uma razão tediosa. Sem drama. Algo que pessoas querem vem com algum cavalo de tróia montado do lado.
Decerto a Apple tem muita grana pra jogar nesse projeto e muitos fãs bestas que vão comprar o que for, mesmo que custe o rim deles. E é verdade que demanda artificial é uma coisa. Mas dificilmente algo se torna “obrigatório” nas costas de pura demanda artificial.
Talvez o mais deprimente para mim é que uma tecnologia tão divertida quanto realidade aumentada esteja sendo apresentada com uma promessa tão tediosa como ser uma ‘ferramenta de produtividade’. Nós vivemos em um mundo tão envenenado por industrialismo que tudo que é inventado tem que virar trabalho.
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